InteressanteNotícias

A influência dos Grupos de Rap do Facebook no consumo de conteúdos musicais

Há pouco tempo, fiz uma publicação em um grupo de Hip Hop no Facebook, o PEGA A VISÃO, pois 1ueria saber principalmente sobre a influência destes grupos no consumo de músicas, no crescimento da cena de rap brasileira, artistas que contaram com o apoio desta rede para alavancar suas carreiras… Enfim, uma panorama geral sobre estes grupos.

Por ali, os participantes estão sempre tratando com responsabilidade e bom humor de diversos assuntos referentes à cultura. São pessoas muito queridas: fãs do estilo,  produtores de conteúdo, jornalistas de blog especializados, ex moderadores de outros grupos sobre Rap no Facebook, artistas, MC’s, beatmakers, produtores… Enfim, uma gama de pessoas unidas em busca de dividir conhecimento e informações.

A pesquisa (bem empírica) rendeu um bom conteúdo, que decidi transformar em matéria para discutir melhor sobre a influência das redes sociais no Hip Hop e de qual forma o consumo tem sido moldado ou instigado por essas plataformas. Diversas comunidades foram citadas para ilustrar a importância destes locais. Dentre eles NoPorte, H2K (primeiro grande grupo brasileiro sobre o tema, já extinto), Rap Cru (que tornou muitos participantes reais amigos, porém também acabou e de forma polêmica),  ODB,  Rap Free (que surgiu como alternativa ao fim do Rap Cru).

As opiniões foram bastante divididas em relação à influência destas comunidades. Um dos participantes e ex moderador de um dos grupos citados, considerou que, por si só, eles dificilmente conseguem gerar uma grande projeção na carreira de artistas. No entanto, pontuou que algumas carreiras tiveram um aumento de visibilidade considerável através de grupos, e este é o caso do Rap Cru. Artistas como Souto e Nill são bons exemplos.

Na época em que o disco “Regina” de Nill, foi lançado, o buzz foi tanto ntre os participantes. que Ronald Rios fez uma entrevista com o artista, contribuindo para a repercussão de seu trabalho e expansão de seu público.

“Regina” é  um álbum difícil de ser trabalhado pela imprensa, uma vez que esteticamente, embora seja sensacional, possui diversas influências pouco comuns, como a vaporwave (estilo lo-fi com toques orientais e beats pouco usuais).

No caso da Souto, a artista recebeu diversas críticas positivas por suas técnicas de escrita, tendo sido bastante elogiada quando lançou trabalhos como “Poetisas no Topo” e de “Selena”.

Para alguns participantes do Pega a Visão,  este agrupamento em torno da música pode ser, inclusive, uma alternativa para tornar a relação entre o público e os artistas mais democrática. A meu ver, é também uma oportunidade educativa, tanto para público, quanto para profissionais.

O grupo ODB  avançou bastante no ano de 2016, no qual Lucas Messias foi um dos grandes responsáveis por seu crescimento. Contudo, o mesmo foi afastado por conta de acusações (que em respeito aos envolvidos e visando a segurança dos mesmos, não cabe a mim relatar) relatadas na comunidade. Hoje, a comunidade tem tem um tom humorístico misturado à crítica de artistas. Conta com a divulgação de memes e vídeos, que acabaram por dar relevância a diversas músicas e temas como a famosa “Sulicídio” de Baco Exu do Blues e Diomedes Chinaski, produzida por Mazili & Sly.

Atualmente, ainda repercutem o legado desta faixa, colocando em pauta o problema mercadológico e ideológico de promover apenas trabalhos do sul e sudeste. Gostaria de pontuar que, nem sempre, ou quase nunca, o grupo escolhe a melhor forma de explicitar o assunto e sofre críticas sobre esta questão. A faixa citada é um marco para a cena nordestina, e neste quesito ela alcança o objetivo, lembrando-nos de grandes nomes fora do eixo rio-são paulo no Rap Nacional (que nunca devem ser esquecidos). Contudo, a agressividade da canção também não passa desapercebida: rimas extremamente transfóbicas, homofóbicas e problemáticas compõem a letra, como “Seu Mc favorito, compra coca e paga com boquete. Fila da puta respeita o Nordeste. Não é comendo ‘traveco’ que se vira fenômeno (Ronaldo)” e “Mandei algumas fãs soropositivo, pro seu camarim”. Enfim…

Artistas como Baco, Diomedes, Mazili e Luiz Lins foram ovacionados nesta época. A versão de “Bilhete” de Luccas Carlos  foi fruto de um quadro do canal da OBD no Youtube e ajudou a projetar a carreira do artista. Outros exemplos são o projeto Poetas no Topo e a famosa Cypher do Damassaclan, que também receberam bastante atenção. Raffa Moreira aka YBC Raff é um outro nome que, até hoje, é constantemente citado, por meio de memes e divulgação dos sons (algumas postagens nem sempre são favoráveis ao rapper, mas às vezes toda propaganda é útil).

Pedro, participante do Pega a Visão, citou uma das consequências destas aglomerações digitais: elas podem ser muito problemáticas, pois integrantes agem como “guardinhas do rap”, cobrando posturas que os mesmos não praticam.. Um outro integrante, problematizou sobre grupos como “O reflexo vira matéria”, que tem uma visão bastante recortada da cena musical, dando visibilidade apenas para artistas e gêneros musicais em alta, famosos por serem fãs de trap e citarem muito a palavra Hype…

Uma das falas que mais me fez pensar e considerar este artigo de opinião foi referente ao Rap Cru. Segundo determinado membro, o grupo abria debates muito produtivos sobre o Hip Hop, entretanto, era formado por diversos “pseudo-intelectuais” que gostavam de impor regras sobre a cena. Esta é uma questão importante, pensarmos em QUEM consome o rap pela internet, quem tem acesso e qual o público destes grupos.

Uma dessas ponderações foi feita por Fernando, que acredita na necessidade destes espaços virtuais expandirem-se e tornarem-se movimentos e discussões verdadeiramente populares, manifestações que restabeleçam o protagonismo da cultura negra no estilo, além de levar o hip hop a escolas, SESC’s e outros espaços.

Outra questão fundamental nestes espaços, é que, embora não tenham o poder de alavancar a carreira de um artista, eles tem um papel importante na difusão de estilos mais “undergrounds”. Neste caso, cabe citar niLL, FBC, Victor Xamã, Brisa Flow, Davzera/Beirando Teto, Souto MC, Eloy POLEMICO, Denov, GABZ, Rodrigo Zin, Kodad Ninja & Urso Em Mandarim, como artistas que receberam atenção destes grupos que cumprem um papel muitas negligenciado pela mídia mainstrean: a divulgação de artistas no começo de carreira com trabalhos consistentes.

O trunfo destes canais é principalmente divulgar trabalhos autorais!

Diversos canais do Youtube tiveram seu surgimento com postagens tímidas dos criadores de conteúdo nestes grupos, além de alianças entre os participantes, como os vídeos da Batalha do Tanque, Rap TV e o Quadro em Branco. As entrevistas de Mascari no RAP TV são bastante aprofundadas, como esta com o rapper Djonga.

Já o quadro em branco tem análises incríveis do cenário nacional, artístico, literário e político no qual vivemos. O canal traz diversos temas com viés social e antropológico, fala de questões técnicas na música e no cinema, e faz ótimas correlações sobre estes temas. Sinceramente, é um sofro de ar puro em meio a poluição de tantos conteúdos que apenas visam o entretenimento, além de reacts e outros quadros bastante rasos. Outros exemplos citados por sua qualidade foram o Fino da Zica e o Black Pipe.

Sobre a segmentação dos públicos no rap atual, de acordo com uma pesquisa realizada em 2015, ele é formado de 56% homens e 44% mulheres, com idade média de 26 anos.  maior faixa se encontra no ensino médio, “Observamos aqui que as pessoas afirmam que ouvir rap é se tornar mais “critico” ao sistema e aos problemas em geral. Apenas 27% dos entrevistados estudam e 60% estão trabalhando atualmente”, afirma Ligia Mello, sócia da Hibou. Os dispositivos mais usados usados para consumo de música são:  Computador – 43%  Celular – 28%  e Rádio – 20%. CDs, aprestações ao vivo e televisão ficam no final do ranking. Quanto á distribuição digital, os participantes afirmam a plataforma que faz mais parte do seu mundo musical o Youtube. Os entrevistados costumam ir em média a quatro shows de rap por ano.

A pesquisa também cita que dentre os estilos, o público do rap é  mais crítico. Isso muito me perturba, considerando o famoso Hype e o Mainstream, que ignora massivamente o consumo consciente de artistas envolvidos em casos policiais e crimes graves, não problematiza devidamente o espaço da mulher na cena e sua constante objetificação, promove em menor escala artistas negros, revelando a questão do racismo estrutural ainda tão presente em nossa sociedade. A questão de protagonismo passa inclusive pela consciência de classe. Hoje presenciamos amplificação cada vez maior do estilo dentro da classe média. Fator a ser discutido amplamente, uma vez que,  a peneira desta classe é bem diferente da comunidade em que o Hip Hop nasceu e a qual ele representa. E assim seguimos vendo uma espécie de apropriação cultural, e a romantização da favela.

Acaba sendo uma vivência reduzida a elemento decorativo, um discurso que pouco incomoda a classe média e alta, até quando fala em política e racismo. Esteticamente, as músicas perdem sua vertente Black, distanciando-se dos elementos do Blues, Jazz, Funk, Miami Bass e das próprias bases do Hip Hop. No lugar, vemos a expansão de estilos próximos a MPB surgida em 1960 e que ainda perpetua-se. Há um antagonismo nisso: de acordo com apontamentos nos estudos de Walter Garcia,  professor associado do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, em 2013, A MPB e salvo exceções, é estruturada vendo as classes economicamente baixas do alto e/ou a distância um movimento branco e das classes dominantes.

Um dos “entrevistados” no Pega a Visão apontou uma questão interessante essa essa nova era de consumo e ferramentas digitais, algo bastante discutido também no cinema: como esta mudança afeta cognitivamente nosso cérebro, e nossas formas de interação. Destarte, plataformas como  Youtube, Spotify  tornaram-se fontes midiáticas de massa. Já as redes sociais, promovem maior interação, mas também são situações de consumo rápido, o que acaba promovendo momentos na superficialidades e tora os expectadores e usuários menos sensíveis e críticos.

A chave desta situação seria pensar em como criar espaços que subvertam os algoritmos e ensinem o público sobre criticidade. Segundo o entrevistado, por exemplo, a pessoa que está em contato direto com o Youtube, está exposta ao algoritmo do Youtube, entretanto, eles são vistos apenas quando divulgados pelo público, ou assistidos por uma grande quantidade de pessoas. O que nem sempre acontece, pois o mainstream é dominado por ouvintes displicentes. Mais que isso, as plataformas permitem impulsionamentos e publicidades que utilizam nossos dados para direcionar estes conteúdos, de acordo com uma quantidade enorme de fatores, como páginas que visitamos, idade, sexo, compras, interesses… Somos levados a pensar que é exatamente este o vídeo, texto, portal que é a “nossa cara” e ficamos fadados à inércia, desconsiderando a ação de buscar por novos caminhos.

Para ele, a questão passa por pensar em espaços que possibilitem essa ruptura, em como modificar a forma como essa galera consome conteúdo e tentar construir espaços de interação em outras plataformas. A questão não é somente o update de conteúdos, uma vez que temos muitos com densidade, e sim fazer com que o público consuma e interaja com ele.

O ex moderador considera que o Rap Cru tinha essa visão, mesmo que de forma inconsciente e ainda muito longe do ideal. Produtores de conteúdo tem que entender a internet realmente como espaços. É o ciberespaço de William Gibson que segundo Manuel Castells evoluiu para o que se chama de sociedade em rede. Sem compreender os potenciais da rede, como funcionam as ferramentas.

Ele afirma que consumir canais como o Fino da Zica a partir dos grupos é muito mais fácil do que entrar no YouTube e em meio a tantos vídeos encontrar o conteúdo deles. A questão central não é o conteúdo e sim como criar uma cultura de consumo e de interação. É uma questão de colaboração e troca de conhecimento, de informação, partindo realmente de um ouvinte de rap para outro.

A indústria do Hip Hop atual gira em torno das plataformas. O ouvinte fica ali dentro daquele espaço e é levado a consumir produtos midiáticos de acordo com recomendações. Além do Youtube, vemos o Spotify e o Soundcloud, que hoje substituíram (não completamente) a interação em shows, a troca e compra de CDS, o consumo de cultura e arte de rua realmente, as batalhas de rap e de b-boys e b-girls, os grafites e muito mais.

Forma-se assim, uma cultura de rua no meio digital. É uma questão de protagonismo e vivência que pode se perder em meio aos algorítimos. Há a necessidade de trabalhar no resgate cultural do movimento e informar sobre sua história, acontecimentos atuais, artes, de forma leve, com bom humor. Recursos como vídeo aulas e tutoriais,  webinars com discussões sobre temas técnicos tanto de produção musical quanto de escrita e estudo vocal também podem ser melhor explorados.

Segundo um dos moderadores do Pega a Visão, uma das opções para expandir estes ciberespaços seria optar por trazer os grupos pro terreno “real”, propondo reuniões entre os participantes, a colaboração entre canais, páginas e artistas para compreender como podemos criar uma rede em que todos se divulguem e criem uma estrutura e conteúdo que seja benéfico à todos, em detrimento da plataforma.

A questão é: mudar esta realidade não é de interesse real do mercado da música, que ganha bastante com a distribuição de música ainda hoje, nem da maioria dos ouvintes de rap, que se mostram bastante passivos no consumo. A alternativa de divulgação orgânica por meio de redes sociais, tornou-se uma possibilidade para artistas iniciantes, mas também uma ilusão uma vez que a rede entrega pouquíssimo em termos de alcance. A estrutura comercial e comunicacional destes artistas também não é altamente incentivada, muitos fazem o que podem sem grana, sem assessoria, sem lable e, caso não recebam as informações sobre “como fazer sua divulgação”, não terão acesso e visibilidade.

Nem só de críticas negativas vive o meio digital, um bom exemplo é a recente “campanha de lançamento” do disco do FBC. “SCA” foi divulgado de forma orgânica, a partir de iniciativa do próprio rapper, que passou a enviar mensagens para seus seguidores (e personalidades no mundo, incluindo o Papa) perguntando: “Você já ouviu meu disco SCA?” Masa iniciativa não ficou nisso! O artista foi à rua para fazer seu jaba! A iniciativa viralizou ainda mais seu disco.

https://www.youtube.com/watch?v=r6rc1gRMSsM

É salutar pensarmos meios de despertar o público deste sono geral e cobrar também do mercado novos conteúdos. Talvez eu não seja a pessoa mais indicada para falar sobre alguns assuntos, como o protagonismo no Hip Hop e a apropriação cultural, uma vez que eu mesma não faço parte desse recorte.

Entretanto, espero que este texto contribua para este resgate. No mais, espero que sirva para cobrarmos uma postura de mudança pela indústria do entretenimento e da música, que usa seu poder institucional para apropriar-se de signos culturais negros em busca de enriquecer.

Conto com vocês! Continuem participando de grupos, indicando artistas e incitando discussões interessantes e importantes (e não só a parte humorística). Assim vamos construindo um senso crítico mais apurado.

 

 

Posts Relacionados
EventosNotícias

Supernova e Planeta Urbano lançam concurso de novos talentos. Inscrições até terça-feira (6)

EducacionalInteressanteNotícias

1º Museu de Hip Hop da América Latina está com inscrições abertas para projetos de todo o Brasil

NotíciasUncategorized

1º Museu de Cultura Hip Hop da América Latina abre agenda de vistação e workshops gratuitos

Notícias

HARD 216: UCLÃ abre seleção para artistas do underground participarem de novo projeto

Sign up for our Newsletter and
stay informed
[mc4wp_form id="14"]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *